- Com internet, esquemas ganham agilidade e se multiplicam pelo país
Consultores financeiros ouvidos pelo GLOBO afirmam que essa pode ser uma das razões para o ressurgimento dos esquemas conhecidos como pirâmide financeira, um tipo de golpe que desde o século passado atrai gente de todas as classes sociais no Brasil e no exterior com promessa de ganho elevado e fácil.
Especialistas dizem que os golpistas se reinventaram na era eletrônica, quando a internet, via redes sociais ou e-mails, multiplicou o poder de arregimentar vítimas. — Esse tipo de armadilha atrai muita gente que está em dificuldade financeira ou muito endividada. Há também os que procuram uma alternativa mais rentável de investimento e acabam no golpe. O atual cenário econômico, com renda fixa dando um ganho real muito pequeno, com a queda da taxa de juro, e a Bolsa com perda de mais de 20% no ano, favorece a aplicação desse golpe — diz Miguel Ribeiro de Oliveira, consultor financeiro.
A volta da inflação, atualmente rondando o patamar de 6,5% ao ano, também é um ingrediente a mais. Na prática, inflação mais elevada significa renda corroída e menor poder de compra.
— Qualquer opção de aplicação que ofereça ganho real acima da inflação é interessante. No caso das pirâmides, o ganho geralmente é muito superior à medida do mercado. Mas se transforma em prejuízo, em pouco tempo. As principais vítimas são aquelas que vão entrando no esquema por último, antes que desmorone — diz Ribeiro.
A nova onda de pirâmides foi identificada em reunião da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor, diz o promotor Murilo Miranda, presidente da entidade. Foi então que os ministérios públicos estaduais e federal formaram uma força-tarefa que já bloqueou bens e suspendeu as atividades de TelexFree e BBom e investiga outras 16 empresas.
— A questão das pirâmides é cíclica e ocorre sempre por razões diferentes. Há mais de 60 anos temos casos no país. Com a internet e as redes sociais, não há mais limitações para essas empresas, e a rede de divulgadores se dissemina com uma abrangência maior — explica.
O educador financeiro Reinaldo Domingos lembra que os modelos de pirâmide financeira se sofisticaram. Ganharam velocidade e capacidade de multiplicação com a internet. Seu poder de obter novos sócios tornou-se muito maior:
— Com a pirâmide via e-mail ou rede social, e o débito da conta sendo feito em minutos também pelo computador, esses esquemas ganharam velocidade. Os golpistas se reinventaram.
Novos casos são investigados
E novos casos não param de surgir. Desde o último dia 12, a Procuradoria da República no Rio Grande do Sul (PR/RS) investiga nova denúncia feita por e-mail, por um anônimo.
No Rio, há uma decisão da Justiça contra a Associação Frutos da Terra Brasil por prática de pirâmide financeira, ofertando carta de crédito para compra da casa própria. O Tribunal de Justiça suspendeu as atividades da associação e determinou indenizações, mas ninguém foi ressarcido ainda.
Ramillo Sherman de Souza é advogado de 20 das 44 pessoas lesadas pela Frutos da Terra que, até quinta-feira, já haviam se habilitado na Justiça do Rio para receber indenização. A sentença da juíza Márcia Cunha de Carvalho, titular da 2ª Vara Empresarial do Rio, determina a devolução em dobro e com juros do investimento feito pelos associados, além de pagamento de R$ 5 mil a cada um por danos morais. Segundo Souza, os associados eram convencidos a pagar 30 prestações de R$ 50 a R$ 120 e levados a acreditar que, ao fim desse período, receberiam uma carta de crédito mil vezes maior do que a parcela. De acordo com a investigação, só eram beneficiadas pessoas próximas à diretoria da organização, como parentes e amigos. Para aumentar a atratividade do negócio, a Frutos da Terra prometia vantagens, de comissão a abatimento de mensalidades, a quem trouxesse novos associados.
— Por iludir as pessoas sobre a compra de algo tão significativo, esse é um estelionato da maior gravidade — ressalta a juíza.
A empresa recorreu da sentença de julho do ano passado. No entanto, em maio deste ano, a 17ª Câmara Cível confirmou a decisão —novo recurso, só no Superior Tribunal de Justiça.
Ribamar Evangelista, de 58 anos, mora em Arraial do Cabo e busca reaver seu investimento na Frutos das Terra. Ele pagou 39 prestações, num total de R$ 4.240, e só se deu conta de que tratava-se de uma pirâmide no início deste ano.
— A casa própria é um sonho para todo mundo. Não importa a classe social. E essa era a realização de um sonho também para meus dois filhos. Tive de esticar o orçamento para pagar R$ 120 por mês — lamenta Evangelista, que levou três amigos para o grupo. Foi um deles que o alertou sobre o golpe.
O promotor Julio Machado Teixeira Costa, autor da ação civil pública que resultou na condenação da associação, alerta que não há como ofertas vantajosas demais serem cumpridas:
— Como é possível alguém contribuir com um total de R$ 1.500 e, em 30 meses, ganhar uma carta de crédito no valor de R$ 50 mil?
Lucro tem origem em associados
O fundador e presidente da Frutos da Terra Brasil, Carlos Alberto Rotermund, foi procurado pelo GLOBO, mas não atendeu às ligações.
Basicamente, o que carateriza as pirâmides financeiras, de venda de serviços ou de produtos, é a origem do lucro dos participantes. Se o ganho vem do dinheiro aplicado pelos que entram no negócio, então trata-se de um esquema clássico. O consultor financeiro Ribeiro lembra de um dos mais famosos casos registrados no Brasil: o das Fazendas Reunidas Boi Gordo, que se popularizou nos anos 1990, oferecendo uma espécie de parceria. O investidor aplicava nos bois e, ao fim do contrato, recebia o lucro da venda do animal engordado. O rendimento prometido era de no mínimo 42% e atraiu mais de 30 mil pessoas, entre elas técnicos e jogadores de futebol, atores e até economistas. A pirâmide ruiu em 2004 e deixou prejuízo bilionário.
A psicóloga Beatriz Nunes Bernardi diz que mesmo quem já ouviu falar da fraude é atraído porque o ganho fácil seduz e a emoção se sobrepõe à razão:
— Além disso, como algumas pessoas de fato têm um bom retorno quando o esquema está no começo, isso acaba sendo um chamariz.
Para Marcelo Maron, consultor financeiro e diretor executivo do Grupo PAR, não importa o contexto. O grande atrativo é a promessa de ganho fácil.
Fonte: O Globo Online - 20/07/2013
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