terça-feira, 23 de julho de 2013

Pirâmide: sonho de dinheiro fácil acaba em prejuízo e ação judicial

  • Com internet, esquemas ganham agilidade e se multiplicam pelo país
SÃO PAULO e RIO — Rentabilidade muito acima da média do mercado, risco baixo e retorno no curto prazo. Quem não se sentiria atraído por uma fórmula como esta, especialmente no atual contexto econômico brasileiro, no qual as aplicações de renda fixa oferecem um ganho de 0,5% ao mês, quase o mesmo que a da poupança, e a Bolsa de Valores acumula tombos consecutivos?

Consultores financeiros ouvidos pelo GLOBO afirmam que essa pode ser uma das razões para o ressurgimento dos esquemas conhecidos como pirâmide financeira, um tipo de golpe que desde o século passado atrai gente de todas as classes sociais no Brasil e no exterior com promessa de ganho elevado e fácil.

Especialistas dizem que os golpistas se reinventaram na era eletrônica, quando a internet, via redes sociais ou e-mails, multiplicou o poder de arregimentar vítimas. — Esse tipo de armadilha atrai muita gente que está em dificuldade financeira ou muito endividada. Há também os que procuram uma alternativa mais rentável de investimento e acabam no golpe. O atual cenário econômico, com renda fixa dando um ganho real muito pequeno, com a queda da taxa de juro, e a Bolsa com perda de mais de 20% no ano, favorece a aplicação desse golpe — diz Miguel Ribeiro de Oliveira, consultor financeiro.

A volta da inflação, atualmente rondando o patamar de 6,5% ao ano, também é um ingrediente a mais. Na prática, inflação mais elevada significa renda corroída e menor poder de compra.

— Qualquer opção de aplicação que ofereça ganho real acima da inflação é interessante. No caso das pirâmides, o ganho geralmente é muito superior à medida do mercado. Mas se transforma em prejuízo, em pouco tempo. As principais vítimas são aquelas que vão entrando no esquema por último, antes que desmorone — diz Ribeiro.

A nova onda de pirâmides foi identificada em reunião da Associação Nacional do Ministério Público do Consumidor, diz o promotor Murilo Miranda, presidente da entidade. Foi então que os ministérios públicos estaduais e federal formaram uma força-tarefa que já bloqueou bens e suspendeu as atividades de TelexFree e BBom e investiga outras 16 empresas.

— A questão das pirâmides é cíclica e ocorre sempre por razões diferentes. Há mais de 60 anos temos casos no país. Com a internet e as redes sociais, não há mais limitações para essas empresas, e a rede de divulgadores se dissemina com uma abrangência maior — explica.

O educador financeiro Reinaldo Domingos lembra que os modelos de pirâmide financeira se sofisticaram. Ganharam velocidade e capacidade de multiplicação com a internet. Seu poder de obter novos sócios tornou-se muito maior:

— Com a pirâmide via e-mail ou rede social, e o débito da conta sendo feito em minutos também pelo computador, esses esquemas ganharam velocidade. Os golpistas se reinventaram.

Novos casos são investigados

E novos casos não param de surgir. Desde o último dia 12, a Procuradoria da República no Rio Grande do Sul (PR/RS) investiga nova denúncia feita por e-mail, por um anônimo.

No Rio, há uma decisão da Justiça contra a Associação Frutos da Terra Brasil por prática de pirâmide financeira, ofertando carta de crédito para compra da casa própria. O Tribunal de Justiça suspendeu as atividades da associação e determinou indenizações, mas ninguém foi ressarcido ainda.

Ramillo Sherman de Souza é advogado de 20 das 44 pessoas lesadas pela Frutos da Terra que, até quinta-feira, já haviam se habilitado na Justiça do Rio para receber indenização. A sentença da juíza Márcia Cunha de Carvalho, titular da 2ª Vara Empresarial do Rio, determina a devolução em dobro e com juros do investimento feito pelos associados, além de pagamento de R$ 5 mil a cada um por danos morais. Segundo Souza, os associados eram convencidos a pagar 30 prestações de R$ 50 a R$ 120 e levados a acreditar que, ao fim desse período, receberiam uma carta de crédito mil vezes maior do que a parcela. De acordo com a investigação, só eram beneficiadas pessoas próximas à diretoria da organização, como parentes e amigos. Para aumentar a atratividade do negócio, a Frutos da Terra prometia vantagens, de comissão a abatimento de mensalidades, a quem trouxesse novos associados.

— Por iludir as pessoas sobre a compra de algo tão significativo, esse é um estelionato da maior gravidade — ressalta a juíza.

A empresa recorreu da sentença de julho do ano passado. No entanto, em maio deste ano, a 17ª Câmara Cível confirmou a decisão —novo recurso, só no Superior Tribunal de Justiça.

Ribamar Evangelista, de 58 anos, mora em Arraial do Cabo e busca reaver seu investimento na Frutos das Terra. Ele pagou 39 prestações, num total de R$ 4.240, e só se deu conta de que tratava-se de uma pirâmide no início deste ano.

— A casa própria é um sonho para todo mundo. Não importa a classe social. E essa era a realização de um sonho também para meus dois filhos. Tive de esticar o orçamento para pagar R$ 120 por mês — lamenta Evangelista, que levou três amigos para o grupo. Foi um deles que o alertou sobre o golpe.

O promotor Julio Machado Teixeira Costa, autor da ação civil pública que resultou na condenação da associação, alerta que não há como ofertas vantajosas demais serem cumpridas:

— Como é possível alguém contribuir com um total de R$ 1.500 e, em 30 meses, ganhar uma carta de crédito no valor de R$ 50 mil?

Lucro tem origem em associados

O fundador e presidente da Frutos da Terra Brasil, Carlos Alberto Rotermund, foi procurado pelo GLOBO, mas não atendeu às ligações.

Basicamente, o que carateriza as pirâmides financeiras, de venda de serviços ou de produtos, é a origem do lucro dos participantes. Se o ganho vem do dinheiro aplicado pelos que entram no negócio, então trata-se de um esquema clássico. O consultor financeiro Ribeiro lembra de um dos mais famosos casos registrados no Brasil: o das Fazendas Reunidas Boi Gordo, que se popularizou nos anos 1990, oferecendo uma espécie de parceria. O investidor aplicava nos bois e, ao fim do contrato, recebia o lucro da venda do animal engordado. O rendimento prometido era de no mínimo 42% e atraiu mais de 30 mil pessoas, entre elas técnicos e jogadores de futebol, atores e até economistas. A pirâmide ruiu em 2004 e deixou prejuízo bilionário.

A psicóloga Beatriz Nunes Bernardi diz que mesmo quem já ouviu falar da fraude é atraído porque o ganho fácil seduz e a emoção se sobrepõe à razão:

— Além disso, como algumas pessoas de fato têm um bom retorno quando o esquema está no começo, isso acaba sendo um chamariz.

Para Marcelo Maron, consultor financeiro e diretor executivo do Grupo PAR, não importa o contexto. O grande atrativo é a promessa de ganho fácil.

 Fonte: O Globo Online - 20/07/2013